A lésbica essencial
É um conceito, um charme, uma moda, uma tendência, se quiserem. Digo: a lésbica essencial. E o que caracteriza a lésbica essencial? Neste momento, talvez a senhora Jennifer Beals, a Bette do The L World com sangue negro, lindíssima, bem sucedida, virada para as artes, elegante, sensual.
A lésbica essencial é sem dúvida uma Bette. Sendo que essa é também uma Bette global. Transportadas para a realidade portuguesa, onde vamos encontrá-la? Não nas cadeiras de jardim em ligas leves de metal da Ilga-Portugal ou nos passeios de fim-de-semana seguidos de colóquios e debates organizados pelo Clube Safo. Talvez de passagem por um ou outro bar da moda, provavelmente em alguma iniciativa da Abraço.
A lésbica essencial portuguesa, por inerência social, não se exibe demasiado. Ou, melhor, é selectiva nas suas participações. Isso é um dado adquirido na capitalização do seu estatuto. Tal como a Bette, é possível encontrá-la em vernissages e outros eventos culturais de natural reconhecimento público. E em antestreias e peças de teatro acabadas de sair nas páginas das agendas semanais. Em bons restaurantes e com companheiras de evidentes dotes físicos e sociais.
A lésbica essencial portuguesa denota alguma timidez e jamais seria uma Camille Paglia ou uma Alison Bechdel, porque a primeira remete-nos inevitavelmente para a triste memória dos sutiãs queimados no Parque Eduardo VII à década de 70, brilhantemente capitalizados pelos revolucionários machos da altura para erradicar em definitivo qualquer glória da acção feminista; e a segunda porque o cabelo demasiado curto e o vestuário desportivo não conseguem desvanecer-se mesmo perante o génio dos seus cartoons.
Temos, no entanto, algumas figuras míticas que, em conluio, conseguiriam compor o material genético da lésbica essencial portuguesa. Jamais como o primo Herman ou o titubeante Esquadrão G, porque as primas são incapazes de ultrapassar a imagem de seriedade das fadas do lar encarnadas pela eterna Maria de Lourdes Modesto ou uma France de Vasconcellos. Mas com certeza na linha da power-woman de uma Mafalda Mendes de Almeida ou de uma Margarida Marante, símbolos de autoridade incontestável no seu mundo. Se possível, com algum do génio artístico e loucura de umas Lara Li e Dina. E com o corpo de uma Bárbara Guimarães, claro.
Em resumo, a lésbica essencial portuguesa esgravata ainda na luta pela sua real identidade. Parece ainda sebastiânico o seu surgimento público, pesada como é a sua herança de seriedade, sinónimo de low profile imposto pelas normas sociais de uma decência com fronteiras muito nítidas para a lésbica que queira manter um estatuto digno.
Há, no entanto, uma diva incontornável, a super-Bette lusa, símbolo indiscutível da derradeira lésbica essencial portuguesa. Bonita, elegante, discreta, sensual, inteligente, com autoridade, socialmente imitável, talentosa e inultrapassável: a actriz, escritora e multifacetada artista Ana Zanatti. E uma power-woman com um estilo criado à sua imagem e semelhança também.