Gostos não se discutem
- Gostos não se discutem, já lhe disse. E muito menos os amores…
- São tabu, é?
- Não, não são. Mas cada um tem os seus, pronto!
- Quer dizer que nunca vamos discutir nem aquilo de que gostamos, nem quem amamos?
- Lá está a menina com as suas coisas… Parece que tem gosto em contrariar-me!
. Gostos não se discutem…
- Olhe lá, eu já sei que tem um jeito imenso para dar a volta à conversa. Escusa de se exibir…
- Não é exibição. É a mais honesta das tentativas para discutir um assunto, a sério.
- E o que é que quer discutir afinal?
- Já lhe disse: amores lésbicos.
- E o que é que há para discutir? São amores, pronto!
- Sim, eu sei. Mas diga-me lá: concorda com os amores lésbicos?
- E por que havia de concordar? Nem sequer discordo…
- Agora fiquei baralhada…
- É natural. Quer, à viva força, discutir o sexo dos anjos!
- Ah… Então agora as lésbicas são anjos?
- Eu não disse isso!
- Então por que raio vieram os anjos à conversa?
- Eu disse: o sexo dos anjos. Não disse só anjos, pois não?
- Ah… Então, já não são as lésbicas que são anjos, mas o sexo delas?
- Ai que coisa, menina…. Parece que gosta de me arreliar!
- Gostos não….
- Já sei, já sei: gostos não se discutem. Quer mesmo saber o que eu acho?
- Se me fizer esse favor…
- Pois eu acho que esta sua conversa sobre lésbicas, amores e essas coisas é de gosto muito duvidoso. E não admito discussão sobre isso, estamos entendidas?
- Eu sabia: são só tabus!
- Quais tabus, quais nada! Não me apetece é estar para aqui a discutir o sexo dos anjos…
- Das lésbicas?
- Lá vem a menina outra vez!...
- Não há pachorra, bem sei. Mas se falasse só um bocadinho sobre o assunto, eu arrumava-o e não pensava mais nisso, percebe?
- Não, não percebo. E muito menos percebo esse seu súbito interesse por essas coisas.
- Súbito? Ora essa! Então se eu sou lésbica e a menina também é, o que pode haver de menos súbito nesta conversa?
- Olhe, por que é que não falamos do tempo ou da saúde como as outras pessoas?
- As pessoas ‘normais’?
- Olhe que eu não disse nada disso, não disse, não disse!
- Pronto, não se enerve. Vamos já passar para outro assunto.
- Acho bem. Já me estava a pôr os nervos em franja.
- Que não seja por isso, menina, que não seja por isso…
- Então de que quer falar afinal?
- De coisas que não fazemos há imenso tempo e que me apetecem imenso. Acha bem?
- Claro, claro. Diga lá.
- Digo, pois: podemos fazer amor?