elas a norte
- A menina foi ao encontro das primas em Braga?
- Acima ou abaixo de Braga?
- Não seja vulgar. Foi ou não foi?
- Fui, claro. As primas a Norte andam em grande actividade.
- E que tal foi?
- Muito agradável, lá em cima no Bom Jesus, em contacto com a Natureza e tudo. Um piquenique recheado de frutos silvestres...
- Lá está a menina a delirar.
- Não estou não. As primas do Norte estão tão afastadas de tudo que bem podem considerar-se frutos silvestres.
- Só se for por isso. E que grupo organizou o encontro?
- Encontro é um pouco de mais, porque aquilo foi mesmo um piquenique, em cima da mesa de pedra e com mantas lá pelo chão que, infelizmente, ninguém chegou a utilizar.
- Quer deixar-se de parvoíces?
- Está bem, está bem. Foi ao ar livre, no parque do Bom Jesus e, pasme, não foi um grupo que o organizou.
- Não?
- Não. Foi uma prima de Braga. Pegou num e-mail e anunciou a actividade. E foi um êxito, porque apareceram umas vinte primas, duas de Lisboa, imagine.
- Há que ter mais iniciativas dessas.
- Olhe que tem razão. Aquilo foi até às três da manhã, imagine, em amena cavaqueira e comezaina, que as primas do Norte adoram os petiscos e também gostam de um bom vinho.
- E que mais se passou?
- Houve conversa, muita conversa, até porque a muitas primas nunca tinham estado num encontro. Outras deixaram as famílias em casa e foram para lá.
- Famílias? Tipo filhos e marido?
- Isso mesmo. É que a Norte é diferente: as primas casam e têm famílias como as outras mulheres, porque isso são mais ou menos todas as opções que têm.
- E mesmo assim foram ao encontro?
- Foram e participaram em tudo, trocaram contactos e ao fim da tarde foram passear a cavalo, pelo monte, que nem Amazonas em pleno Bom Jesus.
- E acha que depois desse encontro alguma coisa mudou para elas?
- Para algumas, pelo menos. Sabe como é: umas ficam contentes só pelo facto de irem; outras começam a acreditar que realmente é possível mais alguma coisa; e algumas vão e sabem que há mais, mas nunca sairão do armário.
- E a menina, em que categoria se encaixa?
- Eu fiquei contente por ir e por perceber que, mesmo no Norte, alguém acredita que pode tomar a iniciativa e fazer alguma coisa. Percebeu-se que não é assim tão complicado organizar um encontro, desde que se queira, porque as primas aparecem, vindas de todo o lado. Isso não quer dizer, claro, que alguma coisa mude a Norte, onde muita coisa continua a passar-se como no século passado.
- Como assim?
- Dou-lhe um exemplo: um destes dias fui ao cabeleireiro e estava a dar a nova versão da 'Escrava Isaura'. Lembra-se da novela, que se passa no século XIX?
- Muito bem.
- Então, a dada altura, parou tudo a ver uma cena especialmente importante. E no fim alguém disse: 'Gosto disto porque é mesmo como na vida real!' Eu, claro, quis saber como é que podia ser 'a vida real', uma vez que estamos em 2007 e já vamos supostamente com dois séculos de avanço.
- E elas?
- Insistiram: 'Mas é a vida real. Isto é mesmo assim!' Pronto, fiquei sem argumentos. Se é assim no século XXI, igual ao século XIX, quem sou eu para dizer o contrário?
- De facto...
- É a vida real, a Norte...