lésbicas de tanga na tanga - em busca do seu passo doble perfeito - desfiando as linhas que cosem as tangas - que nos devolvem envolvem - pingas que tingem a linha da tanga - todas as tangas são iguais - mas estas são as melhores - tangas lésbicas
lésbicas de tanga na tanga - em busca do seu passo doble perfeito - desfiando as linhas que cosem as tangas - que nos devolvem envolvem - pingas que tingem a linha da tanga - todas as tangas são iguais - mas estas são as melhores - tangas lésbicas
- Olhe, nem sei bem como começou a conversa. Estava eu a escolher umas laranjas e, como sempre, estava tudo a falar de telenovelas, nas actrizes que iam tão bem e numa tal que era lésbica.
- Tudo assim, casualmente?
- Sim, sim. E nessa altura foi um alvoroço, porque a dona Mercês, que vive ali em cima, duas portas depois de nós, disse que não, que a talzinha não era lésbica coisa nenhuma, coitada da rapariga, que era tão boa moça e passava a vida a ajudar a amiga que afinal tinha tantos problemas.
- É mesmo de telenovela…
- Pois é. As outras discutiram com ela, que sim, que era lésbica, porque vivia com a tal amiga e por aí fora. O mais engraçado é que, naquilo tudo, só a uma é que chamavam lésbica. A outra, por obra de algum truque do argumentista, estava fora do pacote.
- E então? Chegaram a alguma conclusão?
- A dona Mercês insistiu na sua e as outras, indignadas, enumeraram todas as cenas em que «se via perfeitamente» que ela era lésbica. Mas a dona Mercês não se deixava convencer, e até adiantou que agora viam lésbicas em todo o lado, que era uma tristeza, porque nem sequer sabiam o que era isso e por aí fora. Foi então que a dona Mariana se voltou para mim e, alto e a bom som, anunciou: «Ali a menina é que nos vai dizer o que é uma lésbica!»
- A menina? E porquê a menina?
- Não faço ideia. Eu só tinha as laranjas na mão e estava à espera que elas se decidissem para a dona Mariana mas pesar e eu poder pagar.
- Mas então, o que é que respondeu?
- Que uma lésbica é uma mulher que gosta de mulheres.
- E elas?
- Vê, dizia a dona Mariana para a dona Mercês. E ela vai, vira-se para mim e atira: «Eu cá também gosto de mulheres e não sou lésbica!»
- Estou pasma…
- Está a ver o meu problema? Respondi-lhe que há gostar e gostar e que o gostar das lésbicas era mais no sentido bíblico. O que eu fui dizer…
- Então? Porquê?
- Porque só faltou a dona Mercês atirar-me o alho francês à cabeça, porque no sentido bíblico uma ova, que aquilo era uma heresia, que ela bem sabia o que estava a dizer, etc. E saiu dali numa fúria que só visto.
- Bonito!
- A dona Mariana disse logo que aquilo só visto, que havia gente muito ignorante, que não fizesse caso. E lá me pesou as laranjas, a defender as telenovelas que, se não fossem elas, nem sequer se falava de certas coisas e que era tudo como antigamente. E no fim piscou-me o olho e deu-me uma palmada no braço.
- A que propósito?
- Sei lá eu. Quero acreditar que foi uma mera cumplicidade entre gente de cultura geral…
- Pois…
- De qualquer forma, pus-me a pensar e já me lembrei de algumas definições interessantes para o que é uma lésbica.
- Tais como?
- Bom, uma vez, durante uma formação para uma linha de ajuda lgbt, houve uma rapariga que perguntou qual era, afinal, a diferença entre uma hetero e uma lésbica. A pronta resposta de uma militante lés foi: uma hetero usa meias de vidro e uma lésbica usa soquetes…
- Por essas e por outras é que a dona Mercês se indignou.
- Vê como a pergunta não é de todo inocente? De outra vez, alguém respondeu: olha, heteros são todas, porque eu sou a única lésbica confessa que conheço.
- Ai, a menina também vai buscá-las sabe-se lá onde…
- Espere, que tenho outra: uma lésbica é como a minha tia, não é? Ela também não tem namorado e o meu pai diz que é porque é muito feia e que é por isso que foi para África ajudar os pretinhos, que também são muito feios e assim ninguém nota.
- Chega, credo… Como se não bastasse a dona Mariana e as comadres dela com essas confianças. Qualquer dia tenho-as eu à perna para o tira-teimas.
- Ouvi dizer que tem para aí uma lista de resoluções para este ano. - E ouviu bem. - Posso continuar a ouvir? - Como? - Assim tipo: a menina conta-mas e eu escuso de andar por aí à coca a ver se descubro o papelinho em que as anotou para coscuvilhar as suas intenções. - A menina tem uma lata... - Vá lá, diga lá o que resolveu. - Muito bem. Se quer que lhe diga, cá vai. - Sou toda ouvidos. - Em primeiro lugar está, claro, a dieta que se seque à comezaina do Natal e da festa de fim de ano.
- Muito bem. A esse respeito, eu passo. Não se importa, pois não? - Desde que depois não venha aborrecer-me porque a roupa não lhe serve... - Muito bem. Adiante, adiante. - Em segundo lugar, tenho de trocar de carro que esta coisa de andar de jipe já começa a cansar-me. - Pois é... Está ultrapassada essa coisa da lésbica equipada com tracção às quatro rodas... - Não seja sarcástica, porque não a vejo queixar-se quando anda comigo. - Isso é verdade, especialmente de inverno, que já me custa um horror andar de mota com as
temperaturas que têm estado. - Não acha que ultrapassada está essa sua mania 'dike on bike'? - Ultrapassada? Por quem? - Pela sua idade. Pelo fim da flower power generation há que séculos. - Não diga disparates. Eu gosto de clássicos: bike on dike sim, sobretudo na minha HD. - Pronto, pronto. Posso continuar? - Continue, que estou a gostar. - Também vou mudar o estúdio para mais perto de casa. Começo já amanhã a ver o que há por aí. - Mais perto de casa? Quão perto de casa? - Tão perto quanto possa vir almoçar a casa, por exemplo. - Almoçar em casa? A que propósito? Quer arruinar definitivamente toda e qualquer possibilidade que eu tenha de dar uma ou outra escapadela? - Lá está a menina com os seus dramas. Vou mudar o sítio do atelier e está decidido. Estou farta de passar horas no trânsito para ir trabalhar e depois para vir para casa. - Bem, há sempre a hipótese de escolher alguém com casa própria e desabitada à hora do almoço... - Quem a ouça vai julgar que anda para aí numa vida desgraçada. - E ando. Sem um único affair digno de nota. - Eu dou-lhe a nota... - Pronto. Mais resoluções? - Outra resolução importante é não a deixar dizer nem escrever mais parvoíces do que o humanamente aceitável. - Vou enfrentar a censura? - Não.Só que a minha mãe deu com o Tangas e desconfiou que fosse a menina. - Ai a sogrinha anda a ler textos ímpios à hora do chá? - Já sabe que ela lê e vê tudo. E agora anda com a mania que a menina está sempre a escrever sobre nós. Anda a sondar-me e eu não estou para isso. - Ah... Então quer censurar-me porque a sua mãe lê o blogue? Não lhe ocorreu explicar-lhe que a escrita não tem de ser propriamente autobiográfica e que a ficção lhe dá imensa graça? - Não quero censurar absolutamente nada. Estou só a pedir-lhe que tenha cuidado. estou cheia de ouvir piadinhas das amigas e agora da minha mãe. - Hum... Até estou contente por me ter falado nisso. - Está?! - Estou, a sério. Até acabei de tomar a minha resolução de ano novo e tudo. - Hum... E qual é? - Vou passar o ano de 2007 a escrever o que me der na realíssima gana e a eliminar dos meus escritos toda e qualquer inibição em relação aos tabus dos outros. - Não se lhe pode dizer nada, pois não? - Nada que me ofenda, não. Já tenho de lidar com todo o tipo de susceptibilidades das primas menos convictas, mais as fragilidades da nossa aparente 'legalidade'. Só me faltava agora era a peneira da sogra que confunde a ficção com a realidade. Qualquer dia aparece um casal de lésbicas na telenovela e ela julga que fui eu que as pus lá de propósito... - Lá está a menina a trepar de tom, como se a tivessem eleito a senhora vítima do ano. - Vítima não. Nenhuma lésbica é vítima. Por definição, uma lésbica é culpada, visto que ninguém a mandou ser como é. - A menina é impossível! Já transformou esta conversa numa discussão de direitos das lésbicas. - Direitos inalienáveis, não se esqueça. - Só lhe pedi alguma moderação, credo. - Não senhora. O que a menina me pediu foi para não escrever o que tenho vontade de escrever, porque posso incomodar a sua mãe. E o que eu acho é que a sua mãe já é crescidinha e sobrevive com certeza a uma historinhas debitadas num blogue. E também acho que a menina já me conhece e sabe que um pedido desses só pode dar mau resultado. - Já percebi. Podemos esquecer esta parte da conversa e começar do princípio com as nossas
resoluções de ano novo? - Depende. - Depende de quê? - Do que a menina tiver para a troca...