a importância da árvore de Natal
- Não se importa de me dar aqui uma ajudinha com a árvore de Natal?
- Árvore de Natal? Outra vez?
- É uma vez por ano. Ou já está esquecida?
- Não, não estou esquecida. Estou só admirada com a sua persistência.
- Prefere que eu deixe passar a quadra em branco?
- De forma alguma. Até porque é impossível. Mas é um pensamento agradável.
- Pois eu admiro a sua resistência ao Natal. Quem a ouvir vai julgar que tem algum trauma e acreditar que em casa dos seus pais nunca ouve uma árvore, presentes e festa.
- Quem julgar isso não me conhece, não se preocupe. Como disse e muito bem, em casa dos meus pais há árvore, prendas e festas. Calculo que em casa dos seus também haja.
- Então não há? Que maluqueira de conversa é essa agora?
- Não é maluqueira nenhuma. A menina disse muito bem: há festa de Natal em casa dos seus pais e festa de Natal em casa dos meus pais. A que festa vamos nós?
- Sabe muito bem que na véspera vamos a casa dos seus pais e no dia de Natal vamos a casa dos meus. É assim todos os anos.
- Pois é, diz muito bem. Se há festa nuns e noutros e vamos estar ocupadas a passar o Natal com as duas famílias, para que é que nos damos ao trabalho de montar a árvore de Natal aqui? Tudo o que fazemos é andar a correr a comprar prendas para as duas famílias e descarregá-las sem enganos nos dois lados. Para que é que precisamos de nos esfalfar aqui também? Ninguém vem a nossa casa no Natal. Nem nós…
- Pronto, está outra vez com depressão natalícia…
- Qual depressão, qual carapuça! O Natal é a festa da família, não é?
- Claro. Qual é o problema?
- Então que raio de família é a nossa que não passa um único Natal nesta casa?
- Mas se passamos sempre com as nossas respectivas famílias… Não estou a ver qual é o problema.
- O problema é que a nossa família nem existe. Não no Natal, pelo menos. Quantas vezes já fomos a casa dos seus irmãos e dos meus passar o Natal? Quantas vezes a festa é em casa de um e de outro, porque eles também gostam e querem que o Natal seja em casa deles?
- Bastantes vezes.
- E quantas vezes o Natal foi em nossa casa, com a família toda?
- Nenhuma. Mas isso não quer dizer nada.
- Não? E se eu lhe dissesse para anunciar a toda a gente que este ano o Natal é em nossa casa? Fazia-o?
- Não sei… A nossa casa também fica longe para alguns dos seus e dos meus irmãos.
- E nós não fomos para trás do Sol posto passar o Natal com o seu irmão? E para não sei onde quando a minha irmã estava algures entre o Alentejo e o Algarve?
- Fomos. Mas é diferente.
- É? Diferente como? Diferente como a menina é diferente? Como eu?
- Lá está a menina a implicar comigo.
- Não estou, acredite que não estou. O que eu estou é farta de passar o Natal com as famílias de toda a gente, de ter de resolver com qual das famílias se passa a véspera e o dia de Natal, sem nunca poder incluir a minha e nossa família entre as felizardas com autoridade para festejar e sentar toda a gente à volta da mesa.
- Mas há gente que nem sequer consegue o que nós temos…
- Ora… A infelicidade dos outros deve ser um grande barómetro para os meus direitos… Já se esqueceu que levámos três anos a fazer-nos aceitar como casal no Natal, com as nossas famílias? Já se esqueceu que foram precisos dois natais passados aqui, sozinhas, para que surgisse o convite formal para as duas, na sua e na minha família?
- Mas essa fase está superada porque nos impusemos. Conseguimos o que a maior parte dos casais de lésbicas não consegue.
- Olhe que bom! E agora, vamos propor que o próximo Natal seja aqui? Ou será que isso é uma ideia demasiado extravagante até para nós?
- Não penso que seja nada disso. O que me parece é que já nos aceitam todos muito bem e que não há problema nenhum com isso.
- Só se não haver problema para si significa ignorar que, a única vez que ficámos em casa de alguém da família a dormir, durante o Natal, nos puseram a dormir cada uma com uma das sobrinhas. E isso quando todos os outros casais dormiram juntos. Acha que é como diz? Que nos vêem realmente como um casal?
- Já falámos sobre isso e já está decidido que não repetimos a dose.
- Pois não, porque é uma grande falta de respeito e só acontece porque não nos vêem de facto como um casal.
- E que quer que eu faça agora?
- Quero que não me peça para a ajudar a enfeitar uma casa em que nunca há realmente Natal, está bem?
- Então só me vai ajudar quando passarmos aqui o Natal? As duas, de novo?
- Ou quando a menina se dispuser a dizer à sua família que a festa é aqui. Eu faço o mesmo com a minha família e logo se vê.
- E se não concordarem voltamos à estaca zero? As duas, aqui sozinhas no Natal?
- É onde estamos, de qualquer forma, se ninguém aceitar o convite, embora possa parecer que não.
- Bom, como temos de chegar a acordo, eu vou propor à minha família que o próximo natal seja aqui e a menina propõe o mesmo à sua. E agora quero ajuda para fazer a árvore de Natal.
- Que árvore é que vai usar?
- Que pergunta é essa? Só temos uma. Há anos que é sempre a mesma…
- Não sei se é. Eu ainda fico bem com uns enfeites e umas luzinhas…