Partidarismos
Se eu fosse uma lésbica socialista estava agora em banho-maria, à espera que se
lembrassem de mim nas novas medidas do novo governo, embora entendesse que a
falta de água, o desemprego e a crescente violência fossem problemas bem mais
prementes que o facto de me reconhecerem pelo que sou.
Se fosse uma lésbica social-democrata já sabia que me estavam a lixar a vida para se
vingarem da anterior vigência e acharia injusto, mas esperaria pacientemente pela
minha vez de dar a volta ao texto, que isto da vingança é prato que chega sempre frio
e às vezes até espanta quando chega.
Se fosse uma lésbica popular compreendia que parece mal hastear bandeiras que
não sejam as da igreja, da família e da tradição, e que neste momento o que importa é
assegurar a sobrevivência da classe social que duramente se bate por essas
questões fundamentais.
Se fosse uma lésbica bloquista saberia que fica mal falar de quereres pessoais
quando o discurso tem de ser intelectual e desapegado, um pouco boémio, mas não
muito, e que o interessa é o gran finalle dialético.
Se fosse uma lésbica comunista e completamente retro, estaria certa de que, apesar
de fora de moda, as massas é quem mais ordena e não há cá niquices de direitos
especiais para ninguém que não pertença à companhia nacional de bailado ou ao luso-politburo.
Se fosse uma lésbica monteirista nem mencionaria o facto.
Se fosse uma lésbica humanista estaria muitíssimo mais preocupada com a fome e a
evolução no mundo.
E se não fosse lésbica era a mesmíssima coisa, que ainda no outro dia a Beleza teve
de dar uma de feminista obrigar os do clube do Bolinha a limpar a cera com que
argamassam os ouvidos e outras partes do corpo quando se trata de dar o seu a seu
dono, especialmente às donas...